quarta-feira, 6 de maio de 2009

'não' é a minha palavra predileta

estou aprendendo, aos trancos e barancos, a dizer não. tudo para ser uma boa menina. comigo, é claro, e não com os outros.
acho que na época em que eu nasci, há quase quatro décadas, as crianças tinham de ser boazinhas. assim eu fui criada: para ser uma menina boazinha.
na verdade, acho que ainda hoje as pessoas querem ter filhos bonzinhos. educados, gentis, doces, é claro. mas também sem ataques, sem braveza (será que essa palavra existe?).
anos e anos depois do meu nascimento eu consigo ser uma boa menina para o que for bom para mim. e lembro de cenas picadas de quando eu era bem pequena quando assisto aos ataques 'não bonzinhos' dos meus filhos. eu fui criada para ser boazinha, mas eu era brava, furiosa, o que não era bom para os adultos que me cercavam, pelo que me contam.
eu acredito que a gente pode melhorar a espécie sendo bons pais e tentando fazer melhor do que fizeram com a gente. não é um julgamento, mas uma tentativa hercúlea de ser uma pessoa decente, que ensina decência para os próprios filhos. como meus pais fizeram comigo.
oh my god. como dói viver.
voltando à decência, acho muito decente tentar ser melhor, e isso tem a ver com estar ligada ao meu coração. por isso assisto bravamente ao crescimento do joão e da lívia, crianças tão cheias de 'vontade', como as pessoas gostam de dizer toda vez que uma criança faz birra.
eu me orgulho profundamente de poder levar meus filhos a todos os lugares. eles não comem quiabo nem abobrinha, mas sabem que os adultos sabem mais que as crianças. sabem que cadeiras existem pra gente sentar nelas, e que a todo ato gentil dizemos 'obrigado'. eles sabem que toda vez que a gente pede alguma coisa e fala 'por favor', a gente adoça os ouvidos de quem nos ajuda. eles sabem que a mamãe fica louca às vezes, e que dar risada é bom.
eu não ensinei nada disso pra eles. mas eles vêem a mãe fazendo tudo isso. e crianças só aprendem o que enxergam, não o que escutam. eles aprendem vivendo, não escutando lições absurdas.
...
tenho feito exercícios diários para treinar dizer não. durante os fins de semana acho que é mais divertido. se tenho duas festas para levar meus filhos, só vamos a uma. se temos um almoço, ficamos em casa de manhã, bem felizes, eles brincando, eu lendo o jornal.
mas nas minhas correrias loucas durante a semana eu também me divirto e tento me comportar. é verdade que tenho uma ajuda celestial: à noite tenho de ficar em casa porque meus filhos são pequenos e não ficam sozinhos. mas nos dias em que meus filhos não dormem em casa tenho de fazer um grande, gigantesco esforço para sentar. para conseguir respirar devagar, ler devagar, conversar devagar, beber devagar e comer devagar.
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de manhã cedo, ainda é escuro quando eu e meus filhos nos sentamos para tomar café da manhã. quando eu percebo que o atraso é iminente, começo a surtar. 'lívia, você tem de colocar a roupa!', digo, tentando não gritar. ela olha pra mim com o olhar mais sereno do mundo e diz 'mas eu tô comendo o meu pão, mãe'. ups! não há nada como ter os ouvidos e os olhos bem abertos, para aprender com as crianças as lições valiosas que eles tranquila e incansavelmente nos ensinam.

domingo, 3 de maio de 2009

eu tenho sido uma boa menina

o taxista me perguntou se eu estava indo pra casa para me aprontar para sair. eu caí na gargalhada. ainda não eram 20h de sábado, e eu estava VOLTANDO pra casa, depois de tomar uns chopps maravilhosos e comer umas coxinhas sublimes para comemorar o aniversário do marido de uma amiga.
no bar minha amiga não queria que eu chamasse o táxi. chamei, e ela pediu ao garçom que adiasse o pedido. mas eu tava caindo de sono, e menos de 10 minutos depois chamei o garçom. era para pedir um táxi, sim.
minha amiga me perguntou, com cara de espanto, se eu conseguiria dormir a noite toda. e eu dei outra gargalhada. é claro que eu dormiria a noite toda. tanto é que estava na cama, feliz da vida, antes das 21h, e quando abri os olhos hoje de manhã já passava das 9h. ou seja, consegui dormir alegres e doces 12 horas!
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dia desses recebi mais um convite para um jantar da 'cozinha da granja'. a flávia, tia dos meus filhos, porque é casada com um irmão do pai deles, é chef e costuma fazer, todo mês, jantares na casa dela. e a granja é a granja viana, onde ela e o marido moram, numa casa com mato e cheiro bom.
fiz a reserva por e-mail, e ela respondeu: cofirmo reserva para duas pessoas. mas por que ela estava reservando para duas pessoas? perguntei a ela se era um evento exclusivo para casais, e ela me disse que não. ok, reserva para uma pessoa.
há muito tempo eu planejava ir a um jantar da flávia. mas sempre uma preguiça de pegar a estrada e ir a um jantar sozinha numa casa em que eu conheceria somente os donos - e nenhum dos convivas ali presentes - fazia minha vontade ir pras cucuias.
mas dessa vez a vontade foi maior. e eu fui, bem contente. combinei comigo que tomaria uma taça de vinho. depois achei que estava sendo um pouco severa, e que poderia tomar duas, talvez três.
quando parei meu carro na rua escura, vejo uma camionete chegando. era um casal que eu conheço da escola das crianças. bingo!, eu tinha parceria para sentar e comer.
as comidinhas feitas pela flávia são nada menos que fantásticas. eram quatro entradinhas e quatro pratinhos de massa. menu degustação, com direito a repeteco para os mais esfomeados. uma massa feita com cacau, que eu nunca tinha experimentado, mini nhoques, sementinhas de papoula, sopa fria de pêra, fios de abobrinha com ricota, fetuccine com cogumelos. a gente ia comendo e dando risada, porque era tão bom que queríamos logo o outro prato.
meus amigos foram embora, eu conversei com o marcelo, o tio dos meus filhos, e depois conversei com amigos dele, que estavam noutra mesa.
tomei uns três cafés, muita água com gás, e os convivas remanescentes, entre clientes e pessoal da produção, se juntaram ao redor da mesa central que fica na cozinha. rolou uma musse de chocolate, mas eu não como doces quando estou muito feliz. e então achei que TINHA de ir embora.
o marcelo e a flávia gentilmente me ofereceram hospedagem por uma noite, mas eu, que tenho manias de uma velha rabujenta, queria voltar pra casa.
entrei no carro e vim com as janelas abertas, sentindo o vento gelado e fresco que vinha do mato e que gelava minhas mãos. quando cheguei na estrada, fechei os vidros, para não congelar. e vim pela estrada vazia, depois pelas ruas vazias de pinheiros, e cheguei em casa.
eram 3am. uma balada extraordinária, para os meus parâmetros de mãe que acorda todos os dias às 5:30am. mas eu não teria de acordar cedo.
...
saímos da TV no início da noite. e dei carona pra luíza, que mora muito perto da minha casa mas que nunca deixa eu levá-la. sempre pede para eu deixá-la num ponto de táxi. mas era quinta-feira, véspera de feriado, e meus filhos tinham ido para a praia com o pai. ou seja, eu não tinha empregada me esperando em casa para poder ir pra casa dela e eu não teria de acordar às 5:30am na sexta, porque em feriados crianças não vão pra escola.
então a luíza aceitou a carona até o bar onde já estavam a mãe e a tia dela. apesar de o lugar ser antigo na vila madalena, eu nunca tinha entrado lá. a luíza me conta animada que tem música ao vivo. oh my god, penso. tudo menos música ao vivo...
zélia, a mãe, e esther, a tia, estão sentadas numa mesa para quatro lugares, tomando vinho. pedimos chopp, e uma linguiça com pimenta e cebola, e três homens se sentam e começam a tocar num micro palco improvisado, quase encostados no piano. baixo, voz e violão. era difícil de conversar enquanto eles tocavam, mas ao mesmo tempo era maravilhoso ouvir as músicas que eles tocavam. era singelo e bonito, muito bonito.
depois de muito vinho e chopp, todos resolveram ir embora, menos eu. a música rolava por meia hora, depois parava por meia hora, depois eles voltavam a tocar de novo. e quando todos da mesa resolveram partir, os caras estavam tocando, e eu estava adorando. a zélia e a esther não me deixaram pagar nada. mas a luíza e a mãe dela aceitaram minha carona.
a tia e o filho da tia, que tinha chegado mais tarde, foram de táxi, porque iriam para outro lado, para o centro da cidade. eles entraram no táxi, e nós andamos duas quadras, até onde estava o meu carro.
quando cheguei em casa, fiquei pensando que a vida é bem mais feliz para quem tem amigas de quase 60 anos, que estudaram trabalharam casaram pariram e são felizes.
meu deus, que mulheres alegres! comeram felizes, beberam felizes, conversaram felizes. elas são pernambucanas. mas a zélia mudou-se para o mato grosso com o marido, e lá mora, trabalha, teve os filhos, ficou viúva.
a esther mora e trabalha em recife, onde casou e teve seus filhos. me conta que o primeiro foi uma produção independente, dá uma risada, e depois explica que não foi uma produção digamos planejada. ela adora comer e cozinhar, e me conta que toda sexta-feira faz um jantar especial na casa dela. só para o marido, ou para os amigos também. eu fiquei babando ao ouvi-la contar. e chorei quando ela disse, por experiência própria e não por estar numa mesa de bar, que eu estava numa fase maravilhosa da vida. eu? ganhando pouco? enlouquecendo para dar conta do recado?
sim. ela me garantiu. e eu acreditei.