sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

a vida é bela, mas dura. ou...


a rapadura é doce, mas não é mole não.
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ela me conta que agora está trabalhando mais. com três filhas, de 7, 6 e 5 anos, ela alugou uma sala no centro de são paulo para ser o escritório. trabalhava em casa, mas só conseguia produzir de manhã, quando as meninas estavam na escola. agora, vai pra são paulo todos os dias, metade do caminho de carro, a outra metade de ônibus. o que dá 1h e 30min na ida e 1h e 30min na volta. pergunto se ela não pensa em morar em são paulo. ela diz que não. 'estou feliz'.
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depois de uma longa conversa no telefone, desligo e venho escrever. minha amiga de muitos anos tem medo de dizer um trilhão de coisas para o namorado. um homem mais velho que ela, querido, gentil, bem sucedido e misterioso. e, aparentemente, mentiroso. ela bufa no telefone e diz que as coisas estão enroladas. e eu digo pra ela que as coisas - a história deles - sempre foi enrolada, e que é hora de desenrolar. as verdades são mais doídas do que as mentiras. e ela jurou que vai ser uma mulher de verdade, e não uma mulherzinha, e que vai falar as coisas do coração dela pra ele.
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festinha no sítio. os pais da aniversariante me dizem que é fácil de chegar. que o lugar é maravilhoso, e que a vida deles mudou muito desde que deixaram são paulo para viver no sítio. eu fui levar os meus filhos, toda feliz, mas sentindo um pouco de desconforto. que surpresa encontrar mães e pais que acham absolutamente normal se tocar pra um sítio ao meio-dia de uma sexta-feira. quem não podia levar o próprio filho não levava, porque o esquema de caronas é mui eficiente. uns levaram, outros buscaram, e teve os que levaram e trouxeram de volta. pessoas maravilhosas, dispostas, que em nenhum momento falaram 'nossa como é longe!'. só eu, que fiquei na estrada por 1h e 30min até chegar em casa. e ainda errei o caminho e não deixei a menina que vinha de carona comigo onde havia combinado com a mãe dela. liguei, parada no trânsito, e disse que o trânsito parado me impedia de deixá-la onde havíamos combinado. eu não aguento.
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'eu não sou uma pessoa confiável'. ela diz isso depois de me dizer que não bebe. ela não dá conta. diz que se beber vai enlouquecer. pergunto se o marido dela bebe, e ao ouvir a resposta afirmativa, sugiro que ela comece a treinar em casa, com o marido. e digo que normalmente as pessoas que não bebem são bem mais confiáveis do que os que bebem. não é óbvio?
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a menina senta ao meu lado, na escada de pedra. 'essa casa é fantástica', me diz, quase sussurrando. pergunto por que, e ela aponta pra casa de boneca - dessas que cabem várias crianças dentro, com belas janelas e uma porta de madeira -, e diz que ela ganharia uma casa de boneca, mas aí o pai resolveu se separar de mãe, vendeu o terreno e ela nunca vai ter nem a casinha nem o cachorro. minha interlocutora tem 7 anos. o que é inacreditável. digo a ela que os planos na vida nem sempre dão certo, mas aí surgem novos planos. será que ninguém nunca falou isso pra ela?
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férias da família, férias da empregada, matrícula da escola, iptu, licenciamento do carro, seguro do carro, presentes singelos para o natal. será que tem alguma conta a pagar entre dezembro e janeiro que eu esqueci?
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a vida é bela. mas por que é tão dura?
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escuto a risada da paula. risadas gargalhadas, as dela. e sim, sei que as cousas não são em vão. e que tenho de acreditar. é pra frente que se anda. punto e basta, como dizia minha professora de italiano.
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deus esteja.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

o sono, a obra, a granja

há muitos anos ouvi um médico dizer que o ouvido de um pai ou de uma mãe tem de ser treinado. para provar a teoria, ele contou como os médicos dormem durante um plantão mas têm os ouvidos atentos para qualquer chamado no meio da noite, no meio do sono. ouvidos treinados, claro, porque os médicos não nascem assim.
e então o contrário também vale: quando um pai ou uma mãe não estão perto do filho durante a noite, o mesmo ouvido treinado para ouvir chamados, tosses e mesmo a respiração dos filhos consegue não ouvir nada. e assim a noite passa docemente. e assim foi ontem, quando dormi 13 horas.
essas horas todas de sono não foram ininterruptas. porque eu sou vizinha da obrga do metrô. bingo! os rapazes começam no batente cedo, às 7h, ou um pouco antes. e começam a trabalhar animados - eu tenho uma teoria de que o melhor trabalho do mundo é na obra do metrô do consórcio da linha amarela, porque todos os homens que trabalham ali são felizes, cantam durante o trabalho, dão muita risada. e então, nas últimas horas da minha longa noite, marretadas me tiravam do sono por uns minutos. mas depois eu voltava a dormir, o que é outra característica que pai e mãe desenvolvem mui rapidamente quando passam a ter herdeiros.
e eis que hoje minha filha foi brincar na casa de uma amiga. primeiro ela me disse que só iria se fosse depois do almoço. expliquei que a amiga não morava em são paulo, então ou ela ia depois da escola ou não ia. então ela me explicou que iria, mas que só almoçaria se gostasse da comida. ok. e ela foi.
mas alguém tinha de buscá-la. como a santa nalva, que trabalha na minha casa, não sabe dirigir, esse alguém sou eu. e fui, pensando em como pais fazem coisas que provavelmente jamais fariam se não tivessem filhos.
andei uns 20km, e cheguei. minha filha, a amiga e a mãe da garota acenaram de dentro da piscina. não estamos em são paulo, e as piscinas fora de são paulo podem ser vistas da rua.
as meninas teimam em ficar na água, mas acabam saindo. tomam banho, e eu aceito um café. saímos voando, porque tenho 25 minutos para chegar em casa. hoje é meu rodízio, e tenho de estacionar o carro na garagem até as 17h.
o céu preto vira céu cinza, e uma chuva forte deve ter provocado o que vi: estrada parada. minha filha dormiu nos primeiros cinco minutos sentada na cadeirinha, e eu vim respirando fundo e pensando em coisas boas.
uma hora e 20 minutos depois chegamos em casa.
estou feliz de estar em casa. e fico pensando em como a família da donata, amiga da minha filha, é feliz morando lá longe, na granja viana. a mãe dela, a clotilde, me conta que engraviou 'depois de 20 anos casada'. ela tinha 47 anos na época. agora tem 53, e nada na piscina com a filha dela e com a minha numa quinta-feira de dezembro. isso é luxo.
quantos anos terei até ter coragem de morar no meio do mato?
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frases boas:
ele me conta que ganha muito mais do que consegue gastar. vou perguntar a ele qual a oração que ele reza.
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ela me diz que gosta de trabalhar, e que adora não trabalhar também. ela tem 25 anos e já sabe disso.
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'eu não vou à praia', ela me fala pelo telefone. eu tinha ligado pra dizer que passarei não uma, mas quatro semanas com ela e com meu pai. e ela pergunta por que eu não avisei antes. mas eu tinha acabado de remarcar as passagens. mesmo assim acho que as férias das crianças serão ótimas.
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'eu odeio adivinhar as letras', meu filho diz, bufando, ao fazer lição de casa. ele está sendo alfabetizado, e tinha de escrever dez palavras. há crianças que não começam a ler 'de repente'. começam a ler devagar, e com muito, mas muiiiiiiito esforço.
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'esse foi o dia mais chato da minha vida'. este é o novo mantra da minha filha, para fechar o dia com chave de ouro. a frase, na verdade, significa 'estou muito cansada e quero dormir'.
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e uma dúvida: será que vai dar tempo de celebrar a vida neste mês em que todos, absolutamente todos, ficam loucos?

domingo, 29 de novembro de 2009

estamos todos cansados

o ano tá acabando, e estamos todos cansados. mesmo depois de uma noite de 12 horas de sono, as crianças acordam com cara de ressaca. e eu também.
não há nenhum sonho mirabolante para o próximo ano, graças a deus. os cabelos brancos não são em vão. eu não quero emagrecer dez quilos nem começar a correr maratonas. sinto uns frios na barriga, mas só das coisinhas de todos os dias. onde encontrar um trabalho bom? como não comer pão? qual computador é mais eficiente? como fazer meu filho usar o aparelho nos dentes depois do investimento estratosférico?
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às vezes a gente dá conta da vida e acaba achando tudo tããão banal. a vida segue em preto e branco e em slow motion. chopps em slow motion, conversas com os amigos idem. estou terminando de editar um livro em slow motion, e bebo vinho gelado em slow motion também. é quase uma chatice, não fosse o conforto que essa velocidade lentíssima traz pra mim.
minha pequena casa tá enfeitada. no canto da sala o pinheirinho (porque é pequeno mesmo) tem luzinhas (pequenas também) acesas, e é doce olhar para ele e saber que é época de natal. calendários de advento espalhados pelas paredes também são visões boas. hoje meus filhos e eu cantamos músicas de natal com a primeira vela da coroa de advento acesa. morri de saudades do meu avô, e lembrei de quando cantávamos músicas de natal ao redor da pequena mesa de jogos, num canto da sala gigantesca da mansão onde ele morava. a maioria das músicas em alemão, e eu, meus irmãos e meus primos íamos pela melodia, não pela letra.
semana passada fui à kopenhagen comprar os adoráveis chocolates para pendurar na árvore. e não resisti: disse pra moça que me atendeu que a produção desses chocolates tinha no mínimo 40 anos - essa é a parte que eu conheço, mas os chocolates devem ser mais antigos que isso. ela fez cara de paisagem, e eu vim pra casa feliz da vida carregando aquela sacolinha valiosíssima. o preço desses chocolates em forma de bengalinha, pinheiro, bota, bola é um absurdo. e a alegria de ter esses chocolates na árvore não tem preço. mesmo.
um dia depois, convoquei as crianças pra cozinha: dia de fazer a primeira leva de biscoitos de natal. eles ficaram comigo na cozinha do início ao fim da tarde. quebraram ovos, misturaram a massa com as mãos, abriram a massa com o rolo, cortaram os biscoitos com as forminhas, colocaram os biscoitos na assadeira, jogaram açúcar com canela sobre eles. depois ainda rolou uma operação colocar-os-biscoitos-no-saquinho. e ainda a distribuição para os porteiros zelador e faxineiro do prédio.
nesta semana faremos a segunda rodada.
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ontem tomamos chá e comemos bolo ao som de um piano. meu filho deve ter algum antepassado nobre, cuja existência desconheço. ele se sentava na mesa do salão de chá e ficava bebericando e comendo bolo. uma hora numa mesa de amigos da professora dele, e depois sozinho, bem feliz. estávamos no bazar de natal da escola dos meus filhos, quando rola também a exposição dos trabalhos em cada classe. a pajelança teve direito a churrasquinho, pizza no forno à lenha, picolés, salada de frutas, sucos, pastéis. e o maravilhoso salão de chá, em que crianças de dez anos, da turma do quarto ano, servem em bandejinhas a bebida e os bolos feitos em casa pelas famílias das crianças pequenas que estão no jardim de infância.
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mesmo quando é em preto e branco, a vida pode ser muito bela. belíssima. hoje fiquei dando risada com meus amigos enquanto almoçávamos numa varanda enorme, no décimo primeiro andar de um prédio, numa parte muito alta de são paulo. o vento insistente fazia voar os guardanapos, e as crianças tiveram de usar agasalhos. e um céu muito cinza nos brindou. como é bom ter amigos que dão valor para almoços inesquecíveis sob um céu tão lindo.
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escureceu, e a sala está iluminada só com as luzinhas da árvore. e agora eu vou rezar pra que o pai do céu mande lindas criancinhas pra vida dos meus amigos, que querem tanto ter a imensa casa deles cheia de gente! mal sabem eles que eu ouvi um anjinho sussurrar um segredo no meu ouvido.
deus esteja.