quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

o sono, a obra, a granja

há muitos anos ouvi um médico dizer que o ouvido de um pai ou de uma mãe tem de ser treinado. para provar a teoria, ele contou como os médicos dormem durante um plantão mas têm os ouvidos atentos para qualquer chamado no meio da noite, no meio do sono. ouvidos treinados, claro, porque os médicos não nascem assim.
e então o contrário também vale: quando um pai ou uma mãe não estão perto do filho durante a noite, o mesmo ouvido treinado para ouvir chamados, tosses e mesmo a respiração dos filhos consegue não ouvir nada. e assim a noite passa docemente. e assim foi ontem, quando dormi 13 horas.
essas horas todas de sono não foram ininterruptas. porque eu sou vizinha da obrga do metrô. bingo! os rapazes começam no batente cedo, às 7h, ou um pouco antes. e começam a trabalhar animados - eu tenho uma teoria de que o melhor trabalho do mundo é na obra do metrô do consórcio da linha amarela, porque todos os homens que trabalham ali são felizes, cantam durante o trabalho, dão muita risada. e então, nas últimas horas da minha longa noite, marretadas me tiravam do sono por uns minutos. mas depois eu voltava a dormir, o que é outra característica que pai e mãe desenvolvem mui rapidamente quando passam a ter herdeiros.
e eis que hoje minha filha foi brincar na casa de uma amiga. primeiro ela me disse que só iria se fosse depois do almoço. expliquei que a amiga não morava em são paulo, então ou ela ia depois da escola ou não ia. então ela me explicou que iria, mas que só almoçaria se gostasse da comida. ok. e ela foi.
mas alguém tinha de buscá-la. como a santa nalva, que trabalha na minha casa, não sabe dirigir, esse alguém sou eu. e fui, pensando em como pais fazem coisas que provavelmente jamais fariam se não tivessem filhos.
andei uns 20km, e cheguei. minha filha, a amiga e a mãe da garota acenaram de dentro da piscina. não estamos em são paulo, e as piscinas fora de são paulo podem ser vistas da rua.
as meninas teimam em ficar na água, mas acabam saindo. tomam banho, e eu aceito um café. saímos voando, porque tenho 25 minutos para chegar em casa. hoje é meu rodízio, e tenho de estacionar o carro na garagem até as 17h.
o céu preto vira céu cinza, e uma chuva forte deve ter provocado o que vi: estrada parada. minha filha dormiu nos primeiros cinco minutos sentada na cadeirinha, e eu vim respirando fundo e pensando em coisas boas.
uma hora e 20 minutos depois chegamos em casa.
estou feliz de estar em casa. e fico pensando em como a família da donata, amiga da minha filha, é feliz morando lá longe, na granja viana. a mãe dela, a clotilde, me conta que engraviou 'depois de 20 anos casada'. ela tinha 47 anos na época. agora tem 53, e nada na piscina com a filha dela e com a minha numa quinta-feira de dezembro. isso é luxo.
quantos anos terei até ter coragem de morar no meio do mato?
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frases boas:
ele me conta que ganha muito mais do que consegue gastar. vou perguntar a ele qual a oração que ele reza.
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ela me diz que gosta de trabalhar, e que adora não trabalhar também. ela tem 25 anos e já sabe disso.
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'eu não vou à praia', ela me fala pelo telefone. eu tinha ligado pra dizer que passarei não uma, mas quatro semanas com ela e com meu pai. e ela pergunta por que eu não avisei antes. mas eu tinha acabado de remarcar as passagens. mesmo assim acho que as férias das crianças serão ótimas.
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'eu odeio adivinhar as letras', meu filho diz, bufando, ao fazer lição de casa. ele está sendo alfabetizado, e tinha de escrever dez palavras. há crianças que não começam a ler 'de repente'. começam a ler devagar, e com muito, mas muiiiiiiito esforço.
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'esse foi o dia mais chato da minha vida'. este é o novo mantra da minha filha, para fechar o dia com chave de ouro. a frase, na verdade, significa 'estou muito cansada e quero dormir'.
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e uma dúvida: será que vai dar tempo de celebrar a vida neste mês em que todos, absolutamente todos, ficam loucos?

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