quarta-feira, 4 de agosto de 2010

'adorando a vida de separada', ela escreveu

dias cinzas e frios, olhos que só enxergam em preto e branco, a boca suja.
era cedo de manhã, e me sentei com uma amiga para tomar um cafezinho. a bebida era desculpa, porque ela nem bebeu nada. conversamos sobre as férias dos nossos filhos, e ela me conta, com uma serenidade assustadora, que foi demitida. 'agora somos dois', disse ela. o marido também está sem trabalho.
e antes que meu estômago virasse vinte vezes dentro da minha barriga, ela foi me contando os planos. procurar trabalho E abrir um restaurante. ela falava calma e pausadamente, e quando dissemos tchau uma pra outra, eu tava impressionada. pensei que podia ter um bom dia, acontecesse o que acontecesse.
o dia não foi bom. várias coisas chatas. e um mau humor escandaloso quando cheguei em casa.
então tentei de novo. abri uma norteña, liguei para minha amiga que acaba de ter o terceiro filho, organizei uns papéis, jantei quando estava morrendo de fome. fui dormir com falta de ar e quase feliz.
às 4h56 olho no relógio e digo qualquer palavra imunda. teria de sair da cama em 4 minutos, e pensei nossa, por que o mau humor? o relógio que custou menos de 10 reais caiu no chão quando fui desligar o alarme, e o plástico que protege o papel com os números e os ponteiros voou pra debaixo da cama. nada como produtos chineses ordinários: o plástico não fazia clic pra encaixar. só encostei e ele, o plástico, ficou no lugar.
meus filhos riram com doçura quando partiram pra escola no carro do nêco. ele tinha dito que os filhos dele estavam atrasados, e que por isso levaria só o joão e a lívia. o paulo e a mari iriam mais tarde. 'faz de conta que eu tenho outros filhos', ele disse. e as crianças adoraram. me deram tchau com o vidro do carro aberto, as mãozinhas pra fora.
cheguei cedíssimo ao trabalho e fiquei tentando não esquecer da minha tentativa de ter um dia bom. quando tomei banho e demorei muito mais do que os 5 minutos habituais, tinha pensado nisso: posso fazer as coisas de um jeito diferente ou simplesmente encará-las de um jeito diferente.
uma manhã longa mas não chata, e minha amiga que mora mui longe me escreve: 'adorando a vida de separada'. morri de inveja da alegria dela quando lembrei que chorei muito, muito, quando me separei. chorei tanto que emagreci 10 kg.
mas fiquei dando risada. perguntei do que ela estava gostando, e ela respondeu: 'tenho um novo namorado fa-bu-lo-so'. como a vida pode ser linda. mesmo em dias incrivelmente cinzas.