sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

o que eu estava fazendo? nada

era cedo de manhã, talvez umas 7:30am. ela veio caminhando, chegou perto de mim e perguntou o que eu estava fazendo. 'nada', respondi. não sei se a pergunta que ela me fez tinha a ver com aquele momento ou se ela queria saber o que eu estava fazendo da minha vida.
a mesa é de madeira e comprida, e de cada lado tem um banco igualmente comprido. sobre ela, todos os dias, há uma bandeja, uma garrafa térmica cheia de café quentinho, açúcar e adoçante e uma pequena pilha de copinhos descartáveis. a mesa fica estrategicamente debaixo de um caramanchão. por isso, quem vai ali está sempre protegido, seja da chuva ou do sol.
toda vez que ando até quase o final do terreno, onde fica o caramanchão, não sei se vou encontrar alguém. há dias, e esses são mais raros, em que ninguém vai até lá. mas normalmente tem gente. às vezes um grupo de três, às vezes mais de dez pessoas, que conversam como se o mundo tivesse parado um pouquinho.
a escola parece ser longe da casa de todo mundo. portanto, todos pegam um pouco de - ou muita - estrada para chegar. mas a distância não é sempre grande. o que é sempre grande é o trânsito. às vezes, 10 km são percorridos em uma hora. por isso, o café na térmica é uma desculpa pra quem quer parar.
tem os que tomam o café e saem rapidinho, tem os que se sentam e conversam alegremente por meia hora, e tem ainda os que ficam a manhã inteira na escola, seja por causa de uma reunião, ou por causa da adaptação de um filho pequeno.
eu sempre achei a mesa com o café muito acolhedora. desde os primeiros dias em que levei meus filhos à nova escola, quando não conhecia ninguém e descia até lá.
mas um ano depois de ter adquirido esse doce hábito é que me dei conta de que ali posso ficar sem fazer nada.
hoje ele me perguntou se eu ia ficar a manhã toda na escola. eu disse que não. então ele perguntou se eu estava 'esperando o trânsito diminuir'. minha resposta foi, de novo, negativa. e parece que ele não entendeu que eu não estava fazendo coisa alguma ali. estava só aproveitando os minutos valiosos em que posso fazer nada: não pensar, não falar. só estar. é doce, muito doce, dulcíssimo.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

vou me reinventar. como?

o verbo estava escrito no meio de uma matéria sobre a vida de uma fulana. a tal da moça diz que 'agora está se reinventando'.
adorei.
e fiquei pensando em como vou me reinventar. abaixo, as ideias que me vieram à cabeça:
- nunca mais vou surtar quando os meus filhos fizerem uma luta livre
- farei um implante capilar - meus cabelos estão curtos - e mudarei a cor. deixarei de ser loira e partirei para a morenice. isso significa esconder todos os meus trocentos fios de cabelos brancos
- os pensamentos ruins a respeito da execução dos serviços domésticos na minha casa não me tomarão mais nem um minuto sequer. livros com pó? CDs grudentos? roupas sujas no armário? sapatos infantis com terra guardados no guarda-roupa? cebolas cortadas aromatizando a geladeira? tudo isso será uma bobagem, e nada disso vai me atingir
- vou procurar uma dermatologista para colocar um ácido no meu rosto e acabar com as dezenas de manchas. afinal, as manchas vão piorar com a idade, como me disse uma dermatologista que sugeriu um tratamento com ácido uns anos atrás, para 'acabar com essas manchinhas'. eu tenho sardas desde que nasci, mas isso pode não ser bom, segundo a médica
- jamais reclamarei da minha situação de mãe solteira, que leva e busca os filhos todos os dias da escola, leva-os à dentista, às festinhas, ao médico, que faz lição junto com o filho que amassa vááárias folhas de papel até dar conta de resolver a coisa em 2 minutos, que os leva ao cabeleireiro para cortar o cabelo, mesmo sabendo que filhos nascem do desejo de um homem e de uma mulher
- ah, e para me reinventar, claro, farei uma lipo na barriga, uma plástica nos seios e aplicações semestrais de botox no rosto, para parecer mais jovem, e talvez mais 'boneca emília'
pronto. depois disso, serei uma nova mulher.
...
o dicionário houaiss me ensina que reinventar significa 'tornar a inventar'. e que inventar pode significar 'descobrir, criar (algo concreto ou abstrato, ainda não conhecido ou não concebido) ou descobrir (modo, maneira nova, original de se fazer alguma coisa)', 'imaginar (algo que não existe); fantasiar, idealizar' e ainda
'transmitir como verdadeiro o que não o é; mentir'.
...
isso é uma piada, pelamordedeus.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

ele disse que sou 'heroica e louca'

ele é casado e tem duas filhas. e apesar de fazer muito, mas muito mais do que a maioria dos pais consegue fazer com seus filhos, ele está longe de ser um cara que 'dá conta do recado' sozinho. ele tem uma mulher, que como todas as mulheres que têm filhos - e cuidam deles -, faz malabarismos do início ao fim dos dias.
pois ontem ele me contou como foram os dias em que ELE teve de fazer tudo. nas palavras dele, 'lavar a louça, cuidar das crianças e dar remedinhos pra minha mulher'. isso porque, por uns poucos dias, ELA teve de ser cuidada, e não pôde cuidar de ninguém. e então ele me saiu com esta pérola: 'fiquei pensando em ti, que é heroica e louca'. e me perguntou por que eu ainda não tinha me casado com o primeiro cara que aparecesse na minha vida.
eu dei gargalhadas. muitas. e achei bizarríssimos os comentários. meu irmão é um cara inteligentíssimo, com bom senso e, uau!, cosmopolita. um cara que já trabalhou com várias coisas até largar um emprego estável, em hotelaria, quando ele era funcionário público, pra ir atrás do que ele gostava. e foi fazer teatro. com quase 30 anos, começou uma faculdade, depois fez um mestrado e agora faz um doutorado. escreve peças maravilhosas, é um baita diretor, um puta ator. adora viajar, fala vários idiomas, é fluente em no mínimo três.
fiquei pensando nos homens em quem tropecei desde que me separei, e enquanto conversava com ele por esta esquisitice útil chamada skype, dava mais gargalhadas ainda. como eu poderia ser tão estúpida a ponto de casar com 'qualquer pessoa do sexo masculino' depois de ter casado duas vezes e ter sofrido com duas separações com as quais concordei?
como diz a sabedoria popular, nada como um dia atrás do outro. hoje dou risada de coisas que me fizeram emagrecer de tanto sofrer. e entre essas coisas estão os fins dos meus dois casamentos.
eu sempre fui uma idiota que acreditava em bobagens como 1- o amor é eterno, 2- dinheiro não tem anda a ver com casamento, 3- casamentos podem durar muitos anos se as duas pessoas envolvidas na empreitada se amarem. mas como os tombos maiores são os mais esclarecedores, nada como arruinar os castelinhos que eu havia construído na minha cabeça para não pensar em construir mais nenhum castelinho.
'heroica e louca.' as palavras ficaram na minha cabeça o dia todo, e as fichas foram caindo. eu sempre acho esquisito pessoas que permanecem casadas mesmo com indícios claros de infelicidade. mas, como dizia meu ex-marido logo após a separação, 'você não tem namorado então você não entende'. para ele, SE eu tivesse um namorado eu entenderia as patacoadas que ele fazia. como trocar os finais de semana das crianças porque ele tinha de ir ao teatro com a namorada. mas eu não tinha um namorado, ficava furiosa com as patacoadas e cá estou, feliz da vida, SEM o namorado. que, para ele, acho, seria sinônimo de 'estar feliz'.
mas que catzo!
são duas as lições que acho que esqueceram de incluir nas 'lições básicas para criar um filho'. pelo menos eu as aprendi sozinha, e são elementares para uma vida feliz. primeiro, que felicidade e alegria não têm nada a ver com casamento. e, segundo, que nunca, jamais, devemos depender do dinheiro de outra pessoa depois que fazemos 18 anos. tão simples e tão oculto.
mas voltando à 'heroica e louca', o paulo me conta que teve um piripaque nas costas - é um sintoma recorrente na vida dele, mas acho que ele nunca deu a devida atenção. lembro de uma vez em que ele andava de quatro, literalmente. ele não conseguia ficar de pé. mas desta vez foi lá longe, nos estados unidos, onde ele tá morando. assim que a mulher dele não precisou mais ser cuidada, a coluna dele fez crec. na sequência ele me mostra as bochechas dele, tomadas de algo que um dermatologista chamaria de dermatite, creio. umas manchas vermelhas que eu não conseguia ver direito pela imagem da câmera, thank god.
e ele continua: disse que ficava surpreso com o meu físico. o que eu traduziria livremente para 'como você pode ser livre de perebas e consegue andar e dirigir sem ficar quebrada?'.
se não fosse hilário, seria muito triste. óbvio. mas as fichinhas seguem caindo. tenho horror de dar uma de vítima. mas criar filhos sozinha é uma tarefa que só compreende quem já fez. e eu vou me lembrando das barbaridades que já ouvi de amigas e amigos sobre os relacionamentos que sobrevivem de migalhas. e me lembro também de quando EU conseguia viver casamentos com migalhas.
nada disso alivia a dureza. porque o meu lado B é grotesco, como o lado B de qualquer um. e mesmo eu fazendo piadas idiotas do tipo 'o terceiro marido vai ser perfeito' e 'eu sei fazer furos nas paredes', sou uma reincidente. casei duas vezes e ainda acho bom casar. mas só se for pra ficar inteira, e não pela metade.
quando eu era criança, minha mãe me contava que tal criança tinha 'o rosto triste' porque os pais eram separados. eu nunca tinha notado?, ela me perguntava. claro que não. até porque crianças nunca têm rosto triste por causa DISSO. a outra frase recorrente era que 'fulano e cicrano' ainda estão casados por causa das crianças. e toda vez que íamos a eventos em que o pai e a mãe de alguém eram separados, eu ouvia comentários estranhos quando voltava pra casa. que a namorada do cara era esquisita, que a mulher tinha um namorado e por isso não era uma mulher, digamos, respeitável. afe!
se eu tivesse acreditado nessas lendas, estaria em maus lençois. minha filha soube que eu e o pai dela havíamos sido casados há um ano. até então - aos 4 anos - ela não sabia disso. sabia que o pai tinha uma mulher, e ponto. e essa mulher não é a mãe dela. e, melhor de tudo, meus filhos são loucos pelo pai, pela gabi, a madrasta deles, e pela pequena helena, a meia-irmã.
e então me vem à cabeça outra frase célebre da minha infância/adolescência: 'o que os outros vão dizer?'. que outros? na minha família, os 'outros' eram uma instituição bem importante.
muitas décadas depois, traduzi 'os outros' por 'eu'. o que eu vou pensar? o que eu vou dizer? sim, eu. porque os outros são os outros e eles não pagam as minhas contas, não levam os meus filhos à escola nem ao dentista, não cozinham para os meus amigos que vêm jantar na minha casa nem fazem cafuné na minha cabeça antes de eu adormecer.
heroica, louca e sã. vou ligar pro paulo.