sábado, 29 de agosto de 2009

o bom humor dela é absurdo

a primeira coisa que ela disse quando eu abri a porta foi "nossa, mas como você é linda". depois de andar três horas sob o sol com um boné na cabeça e de tirar uma soneca daquelas de sonhar, escuto isso.
eu não a conhecia, e ela veio até a minha casa fazer a minha unha. desceu no ponto errado do ônibus, depois caminhou pro lado errado da minha rua. me ligou pedindo desculpas pelo atraso. e quando chegou se deculpou mais uma vez. mas tão doce que nem tinha como não desculpar.
como ela não é manicure, mas podóloga - um nível bem superior, descobri há pouco. ela usa luvas, material esterilizado, toalhas descartáveis, uma maquininha para fazer algo nas cutículas que eu ainda não descobri o que é e uma lixa redondinha que é também colocada na tal da maquininha e quase me matou de cócegas nos pés.
a rute é uma mulher bonita, alta, magra. me contou que já ganhou muito bem. o muito bem no caso é mais do que eu ganho atualmente. mas um dia ela encheu o saco do estresse e das clientes muito ricas que mandavam o motorista buscá-la em casa no domingo. e ela argumentava que estava com as crianças em casa, e a cliente dizia para levar as crianças. e ela levava.
mas um dia foi demais. e então ela me conta que pediu a deus para levar embora essas clientes chatas e aparentemente sem limites. 'e o anjo levou o bilhete'. eu não entendi, e ela me explicou. o anjo tinha levado o bilhete para deus, e deus tinha atendido o pedido dela. agora ela pede que deus traga novas e boas clientes. acho que os papéis estão sendo entregues pouco a pouco.
ela vai me contando do filho de 17 anos, autista, que não fala. quando é preciso, o filho de 10 anos cuida do irmão de 17.
ela tem certeza de que o filho vai se curar. até pouco mais de 1 ano, o moleque falava algumas palavras e se desenvolvia normalmente, pelo que entendi. mas aí ele parou de falar e no lugar das palavras vieram os grunhidos. ela só descobriu o que ele tinha uns quatro anos depois, quando o filho tinha quase 5 anos.
ela me conta que a mãe dela teve 17 filhos. e que diz pro filho de 10 que, se ele não for um bom menino, ela vai mandá-lo para o rio de janeiro, onde mora a avó. diz ela que na casa dos pais dela muitos primos passaram temporadas, e até filhos de amigos. pra tomar jeito.
uma amiga me liga, e quando desligo conto que fui convidada pra ir comer uma pizza. sinto preguiça e digo pra rute que eu teria de tomar um banho antes de sair. e ela vem com esta pérola: 'mas alguém vai te ocupar hoje?'. ahn? quando entendo, caio na gargalhada. até pra falar essa mulher que tem uma vida beeeem mais dura do que a minha é doce.
quando abri a porta pra ela ir embora, ela sai gargalhando, dizendo que eu nunca mais vou ligar pra ela vir fazer minha unha, porque ela falou 'mais que homem que encanta cobra'.
antes disso, ela me falava de como acha absurdo as novelas estarem tomadas por gente que passou por reality shows mas que não estudaram para serem atores, como as grandes atrizes - tônia, fernanda montenegro, beatriz segall. 'elas não foram jogadas pela janela'. ahn? ué, elas ralaram, estudaram, se esforçaram. não entraram feito ladrões pela janela de uma casa para roubar tudo o que tinha dentro. palavras da rute.
meus deus!, mesmo que eu não tivesse gostado dessa mulher eu teria de chamá-la para vir à minha casa mais umas vezes, só pra melhorar o meu repertório de expressões sensacionais.
e agora, com unhas vermelhas e com um pouco de calor, sinto a alegria dessa mulher dentro da minha casa. e então vou pedir pro meu anjo a companhia de pessoas muito, mas muito bem humoradas. e esperar que ele leve o bilhete.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

sobre vinhos alegres e vinhos tristes

foi uma descoberta. e aconteceu de um dia para o outro. literalmente.
primeiro tomei o vinho triste. tinha chegado em casa no final do dia, e achei que um pouco de vinho ia me ajudar a digerir entender aceitar as palavras duras que tinha acabado de ouvir. sim, eu, como a maioria dos mortais, passa mal quando escuta verdades profundas. daquelas que tocam a alma sem passar por nenhum lugar antes. daquelas que a alma escuta antes dos ouvidos, antes do coração.
e então, e eu ainda não sei por quê, liguei pra ele. eu não costumo fazer isso, porque ele é uma pessoa pra quem eu não tenho nada pra falar, descontando umas coisinhas cotidianas que podem ser resolvidas por email. mas eu liguei, e o telefonema durou horas. um telefonema de horas pra mim significa qualquer conversa pelo aparelho que dure mais do que dez minutos. mas durou mais do que isso. muito mais. pelo relógio talvez uma hora, mas pela minha alma durou uma eternidade.
eu consegui falar coisas horivelmente profundas dolorosas verdadeiras pra uma pessoa pra quem eu costumo falar, no máximo, oi e tchau. muitas vezes só oi, porque o tchau eu acabo achando desnecessário.
chorei, senti falta de ar, chorei mais ainda. quando desliguei o telefone, não acreditava que tinha rolado uma DR com quem eu não tenho R nenhuma. legenda: discutir a relação.
depois dessa DR sinistra, fiquei triste, mas tenho a impressão de que a tristeza não é em vão. a raiva que mora dentro de mim foi dar uma volta, e no lugar dela a tristeza chegou, sentou e ficou. tristeza pelo que já passou, pelo amor que era lindo e acabou, pelas coisas que eu sempre disse e que ele nunca escutou e, pior de tudo, pelas coisas que ele sempre disse e eu nunca considerei. porque nunca as entendi.
...
o vinho alegre veio logo depois. mais especificamente, uma noite depois. quando eu tava dura, eu e meu corpo e minha alma, tentando juntar uns pedaços de mim que tinham ficado separados desde a noite anterior.
o vinho alegre veio acompanhado de pessoas doces, comida boa, músicas lindas e risadas. e de um vaso com três flores cor-de-laranja belíssimas. o oposto da noite anterior, que tinha tido conversa amarga, um pouco de sopa, nenhuma música e muitas, muitas lágrimas.
o vinho alegre era suave, tinha cheiro bom. era claro. diferentemente do vinho triste, que era quase amargo e escuro, horrivelmente escuro. vinhos tristes são escuros densos sem chão. uma merda.
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talvez eu devesse ler um livro de auto-ajuda daqueles bem iditoas, que dizem que o importante é ter bons pensamentos, acreditar que as coisas vão dar certo e blablablá. mas tenho nojo disso.
me sinto uma adolescente. parece que todo o esforço tem sido em vão. coisa chata essa sensação de o-amor-próprio-chega-ao-chão-e-eu-me-sinto-uma-idiota.
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faz frio lá fora. e aqui dentro também. e eu me lembro dos felizes dias que vivi em boston, quando fazia tanto frio mas eu estava sempre tão quentinha. uma parte doce da minha vida, quando achei bom sair do brasil e deixar um belo apartamento um bom emprego e um carro novo pra viver ao lado do meu amor. o bom disso tudo é que eu não sei se faria tudo de novo, mas não me arrependo de um segundo do que vivi lá. mesmo sabendo que, passados muitos anos, ele - o da DR - não lembra de nada disso nem nunca me disse que foi feliz como eu fui.
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às vezes acho que os anjos tiram sonecas longas e acabam esquecendo de cuidar da gente aqui na terra.