segunda-feira, 19 de outubro de 2009

a ruiva falsa e suas belas rosas laranjas



Grande é a poesia, a bondade e as danças,
mas a coisa melhor do mundo são as crianças.
Fernando Pessoa

dias e dias sem escrever. muito trabalho, muito cansaço.
enquanto um guindaste gigantesco (mas será que existem versões compactas?) já içou três contêineres do meu quintal, também conhecido como a obra do metrô, me sento e olho pra essa máquina com desânimo.
o exercício hercúleo das últimas semanas tem sido não reclamar da vida, que anda muito, mas muito chata.
nessas horas adoro ouvir histórias dos outros, pra saber que a vida é dura mesmo, mas que tem gente que dá conta do recado com mais alegria do que eu.
não tenho respondido aos emails dos meus amigos, muito menos encontrado meus amigos. acho isso o ó, mas mais o ó ainda é achar que às vezes a vida não tem a menor graça.
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o argumento que ela usava para defender com convicção a virgindade era que, 'depois de experimentar, não dá mais pra parar'. ou, em outras palavras, elaboradas por mim muitos e muitos anos depois, enquanto fumava um cigarro na janela do meu apartamento, é 'sexo vicia'. bizarro. mas eu fiquei impressionada quando pensei nisso ontem. eu não lembrava mais disso.
mas essa lembrança, que eu desenterrei das profundezas da minha cabeça (ou teria sido do meu coração?) me fez pensar sobre o que é bom e o que não é bom. por que será que tem gente que tem medo do que é bom? é porque depois que experimentamos o que é bom, é duro, amargo, azedo e insuportável ter o que não é bom. é só lembrar do sofrimento que traz uma dieta alimentar, do horror que é não ter dinheiro, do sentimento de inferioridade quando a gente descasa, do cansaço que dá quando a empregada tira férias, da tristeza que é um dia sem risadas, da dor que a gente sente quando não ama ninguém.
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num ato de sapequice, deixei meu cabeleireiro atingir o nirvana e tosar meus cabelos. depois, ele me transformou numa ruiva falsa. e o que era pra ser uma celebração de uma nova fase virou uns suspiros. descontando a economia do shampoo, nada mudou. oh my god, mas como eu posso ser tããããão chata?
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agora a caixa d'água que enfeitava a paisagem da janela do quarto dos meus filhos jaz no meio do terreno da obra do metrô, presa a alças com ganchos nas pontas que estão presas ao gigantesco guindaste. daqui a pouco o ió ió ió da marcha à ré de algum caminhão grande e velho vai entrar pela janela da sala e a caixa d'água vai embora. mudanças na paisagem, ou como disse a garota do departamento de relações públicas do consórcio da linha amarela, que toca essa obra barulhenta, 'eles estão fazendo o projeto de paisagismo'. fino, non?
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agora o que entra pela janela da sala é a música da escola de balé, com os gritos da professora. é um barulho reconfortante, pra me lembrar que eu poderia dançar um pouco mais, ou rodopiar feito um dervixe.
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as rosas eu ganhei da renata, que veio ao brasil com o pequeno andré e com o marido, o joão. e flores existem pra gente lembrar que a vida é bela. um presente da cidade, aliás, que tá tomada de flores rosas, roxas, vermelhas. bem feito: pelo menos quando eu tô nas minhas duas horas diárias de 'vamos ver qual pista anda mais rápido', eu não acho a vida chata. eu acho a vida linda. e lágrimas molham minhas bochechas.