quarta-feira, 3 de junho de 2009

sobre as crianças lindas, fortes, doces e felizes

chegaram duas bolas hoje aqui em casa. presente de aniversário atrasado, que minha amiga flávia mandou pela nice, que trabalha na casa dela e que é irmã gêmea - e idêntica - da nalva, que trabalha na minha casa.
indiscutivelmente, nenhum presente supera uma bola. descemos para jogar bola, cada um com a sua. a lívia esqueceu não só da bola como da maçã que estava comendo. voltou ao apartamento para buscar a maçã e uns minutos depois sumiu. pensei que ela estivesse andando pelo pátio do prédio. mas não. ela tinha subido de novo as escadas para pegar a bola.
ela pulava lépida e faceira, enquanto o irmão dava chutes fortíssimos, ora contra o meu carro, ora contra o carro do meu vizinho carlos, ora contra a parede, ora contra a irmã. que chorava e continuava andando atrás - ou ao lado - dele enquanto ele chutava e chutava, com a fúria e a alegria que só meninos têm com uma bola. eu dizia para ele NÃO acertar os carros, e ele dizia que não dava para controlar. eu não disse a ele, mas ele tinha razão.
e eu me sentei no sol e fiquei tricotando. literalmente. depois de uns anos sem mexer em agulhas de tricô, voltei à ativa. e enquanto eu escutava os estrondos dos chutes, ria sozinha, porque era óbvio que a bola passaria sobre o muro e cairia nos nossos vizinhos 'homens da obra do metrô'.
pof. foi. o joão olha pra mim e conta que a bola foi pro outro lado do muro. antes de eu pensar em me levantar e andar até a obra (é só virar a esquina, mas eu estava com muita preguiça), o joão se pendura numas correntes bizarras que caem da calha do telhado da garagem, coloca as mãos no topo do muro e com as pernas fica praticamente em cima do muro. como tem uma cerca elétrica, ele parou antes. 'moço, minha bola caiu. você pode me jogar, por favor?'. a bola em poucos segundos aparece voando sobre o muro em nossa direção.
passados uns minutos, um chutão e pof, a bola sumiu. procuramos no telhado, no jardim do prédio, até que o joão trepou no muro de novo e perguntou a um outro cara da obra do metrô se ele tinha visto uma bola. o cara trepou nas madeiras que eles devem colecionar na obra, porque são pilhas e mais pilhas que só crescem e nunca diminuem, jogou a bola e disse que a jogaria quantas vezes ela caísse lá. gentil, o cara.
na hora de subir para o apartamento todos seguiram alegres. o joão havia pedido para a nalva 'por favor faz um bolo de chocolate?'. quando ele saiu da cozinha e entrou na sala, anunciou: a nalva vai fazer um bolo de cenoura com calda! então quando eu disse vamos pra casa comer bolo eles vieram correndo e, melhor de tudo, felizes.
é difícil colocar as crianças no caminho. não sei se são os sete anos, mas meu filho está numa fase pavorosa de querer tudo. hoje almoçamos na escola, que eles amam. no carro, de volta para casa, ele pediu para ir à locadora. disse que não. quando chegamos ao apartamento, ele começa a chorar e pergunta quando eu vou comprar um pote de sorvete. aí ele pede para jogar banco imobiliário e para andar de bicicleta. ah, saindo da escola ele pediu para ir à casa de um amigo cuja mãe eu nem o nome sei. ele deve ter pedido mais umas 13 coisas que fugiram da minha memória.
fizemos a lição juntos, depois de ele rasgar quase uma dezena de folhas de papel - as folhas do caderno, onde estava a lição, já haviam sido riscadas de roxo, porque ele tinha 'errado', me disse. então sentei ao lado dele e fomos fazendo juntos, eu escrevia uns números, ele, outros. momentos tensos. mas terminamos, e acho que o coraçãozinho dele se encheu de alegria. colei as folhas da lição que havíamos feito sobre as folhas riscadas de roxo do caderno.
a coisa mais difícil de todas, eu acho, é que a gente fica exausto, mas educação não parece permitir exaustão. sinto que meus olhos têm de sempre estar atentos, e meu coração sempre aberto, para eu enxergar e entender o que passa com essas pequenas pessoas que são os meus filhos.
estou sozinha em casa, porque o joão e a lívia foram dormir na casa do pai. os homens da obra de metrô dão umas pauladas em algo que parece ser de ferro, mas o barulho para de vez em quando. vou dormir daqui a pouco, para ganhar de presente sonhos maravilhosos. e vou dormir feliz, muito feliz. depois de ver o joão e a lívia andando brincando comendo e dando conta das coisinhas deles. pedindo bolo e pedindo a bola, sempre com um por favor que é um beijo amoroso para mim. o trabalho não é em vão: a exaustão chega mas depois vai embora, e as crianças crescem lindas, fortes, doces e felizes, muito felizes.