terça-feira, 3 de junho de 2008

só andando para enxergar (ou almoço com a goretti)

por que sair de casa andando e deixar o carro na garagem? hoje fiz isso por três nobres motivos: fui almoçar com uma amiga num lugar perto de casa (uns 30 minutos a pé), neste lugar os poucos estacionamentos costumam estar lotados e, mais importante de tudo, eu não tinha pressa.
como é bom sair assim andando de casa. só assim para me fazer lembrar que andar é bom. e que só andando vejo coisas escondidas que fazem parte dos caminhos de todos os dias, aparentemente tão conhecidos.
mas não são só surpresas para os olhos: há cheiros bons e ruins também, boas compras e bizarrices também. ei-las:

- um cartaz escrito à mão, grudado numa parede junto à calçada: "precisa-se de pessoas para trabalho extra". meu deus, o que seria isso?
- uma barraca de camelô numa rua movimentadíssima - portanto um camelô que atrapalha muitíssimo a vida dos pedestres - vende um cinto verde musgo incrível por 8 reais. e eu compro.
- numa janela que dá para uma calçada, uma placa anuncia: "cuida-se de crianças. inclusive nas férias"
- todos, literalmente todos os botecos servem dobradinha, de acordo com as placas colocadas na calçada que divulgam o cardápio
- meu bairro tem uma galeria antiga, daquelas com corredores largos e com muitas lojas. algumas fechadas. falidas, imagino
- um sapateiro que trabalha numa loga da tal galeria, mas não "virado" pra dentro da galeria. sua sapataria dá pra calçada, onde ele pendura centenas (ou milhares?) de pares e atende os clientes
- uma empresa que vende peixe elogiada numa revista que acabo de ler
- as nuvens se movimentando no céu, indicando que vem chuva
- uma escola, uma faculdade, várias lojas fechadas, o laguinho de um restaurante japonês seco, um casal belíssimo, alto, magro, negro, que com certeza sabe de suas admiráveis qualidades
- uma loja que vende fumo (que é cortado na hora) e charutos, tudo organizado sobre um balcão de madeira e num armário envidraçado

todas essas surpresas que encontrei no meu curto passeio me fazem lembrar de um livro que li há cerca de 20 anos e que já reli algumas vezes. o autor diz que as pessoas que viajam de carro não sentem o mesmo que as que viajam de moto. ele diz que dentro dos carros as pessoas parecem entediadas, com cara de quem segue um cortejo fúnebre. e quem anda de moto sente tudo o que está acontecendo na estrada: as mudanças de temperatura, a umidade, o ar das altitudes altas, as mudanças na paisagem, a chuva, o vento. desde então, sempre que pego a estrada, me sinto mais boboca do que os que seguem em motos, apesar de não achar que eu tenha cara de quem segue um cortejo fúnebre quando viajo de carro. mas tenho de concordar que as idéias de robert pirsig (esse é o nome do autor do livro, "zen e a arte da manutenção de motocicletas") valem para as pequenas viagens que eu faço dentro da cidade onde moro. a pé eu enxergo sinto cheiro o que fica escondido quando estou dentro do meu adorado automóvel.

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