quinta-feira, 4 de setembro de 2008

ronnie von e as calcinhas das filhas (dele)

estava eu a terminar minhas tarefas diárias na firrrrma quando o celular toca. "casa", leio no visor. mau sinal. meus filhos não costumam me ligar, muito menos minha adorável empregada, a nalva.
escuto gritos ao fundo. e a voz da nalva, afobada, irritada. só para esclarecimentos, a nalva é uma baiana de no máximo 1m45cm, olhos verdes e voz calma, tão calma que às vezes não escuto o que sai da boca dela.
ela começa dizendo rapidamente que meu filho acordou minha filha, fez uma bagunça no banheiro e estava a bagunçar a sala naquele momento. pergunto se ela quer que eu vá pra casa, e ela diz que não. falo com meu filho e peço a ele que deite e escute as músicas que a nalva vai cantar.
desligo. taquicardia. pernas mais bambas do que o normal para uma quinta-feira, 19h30, minutos antes de eu deixar as instalações da corporação e me encaminhar para a reunião de escola da classe da minha filha.
e se tudo der errado? e se minha empregada perdir demissão? e se eu não conseguir trabalhar porque meus filhos fazem uma zona e a empregada não dá conta? pra quem eu posso ligar? quem pode me ajudar?
ninguém. ninguém baby, and i am so sorry.
quando eu era criança e minha avó era viva, eu adorava assistir TV com ela. toda vez que eu dormia na casa dela - uma mansão numa então residencial avenida portoalegrense -, eu e ela nos sentávamos nas duas poltronas beges em frente à TV, enquanto meu avô, surdo que era, desligava o aparelho do ouvido e dormia alegremente na cama ao lado de onde estávamos. pra melhorar a situação, minha doce avó mantinha DENTRO DO GUARDA ROUPA uma lata daquelas antigas de sorvete kibom - acho que os desenhos tinham branco, vermelho e azul escuro - cheia de chocolates. os chocolates tinham gosto de armário de vó, algo como naftalina mais cheiro de mofo suave mais cheiro de roupa de gente velha guardada há tempos. o gosto do armário era desagradável, e alguns chocolates já tavam mais brancos do que marrons, porque estavam guardados fazia tempo na latinha da oma. oma era como chamávamos minha doce avó. mas o fato de poder comer dois chokitos e dois krema sem ninguém encher o saco compensava o gosto estranho.
pois bem, minha avó a-d-o-r-a-v-a o ronnie von. e uma vez, quando eu já nem era mais criança, assisti a algum programa idiota de entrevistas na TV com o ronnie von. ele contava que criava as filhas - ou seria A filha? - desde que tinha se separado da mãe delas (ou dela), que tinha levado à primeira consulta ao ginecologista e que quando comprava calcinhas e as vendedoras perguntavam com malícia para quem seriam dadas, ele dizia: "pras minhas filhas".
eu não achava nada demais nisso. mas a minha avó achava ele e a história dele o m-á-x-i-m-o.
o tempo passou, e põe tempo nisso, e hoje eu compreendi completamente a admiração da minha avó pelo sujeito. quando eu fiquei com as pernas bambas e pensei pra quem eu poderia ligar para pedir ajuda e lembrei que não tinha NINGUÉM pra ligar.
lembrei que meus filhos são meus e que quem toma conta deles sou eu. lembrei que quem paga o plano de saúde deles sou eu, e que quem pede pra parcelar o pagamento da consulta caríssima do pediatra sou eu. lembrei que quem paga o salário da santa nalva sou eu, e quem não poderia ir à reunião de classe da minha filha era eu. lembrei que quando eu chegasse em casa eu não poderia ficar furiosa com os meus filhos, porque eles acabam de ganhar uma irmã. e a chegada da irmã coincidiu com a falta de telefonemas do pai, com o cancelamento da ida à casa do pai às terças-feiras para dormir lá, e com o provável cancelamento do fim de semana com o pai.
como disse uma amiga minha, citando o médico dela: "se eu e meu marido nos separarmos e ele casar e tiver mais um filho, ele vai esquecer os nossos três filhos". e ela deu uma gargalhada, a minha amiga. acho que porque isso não aconteceu, é só uma suposição, ou exercício de imaginação. dá no mesmo.
como a sabedoria é uma coisa maravilhosa. como a paciência é igualmente maravilhosa. e como saber por que minha avó, que se casou aos 24, ficou viúva aos 68 e morreu linda aos 88, nunca soube preencher um cheque e me deu uma roupa de cama de casal quando fui morar com meu namorado aos 18 anos, idolatrava o ronnie von.
nem tudo está perdido.
hasta la vista, baby.

5 comentários:

Unknown disse...

Oi, Tita! Se serve de consolo, você é literalmente admirável! Eu aqui de longe, com minha pequena equipe interna e minha mega participativa família, fico admirada de ver como você dá conta! Talvez se eu não tivesse que administrar a tal equipe, a tal família e otras cositas más, eu desse conta de criar meus filhos sozinha... Mas minhas pernas ficam bambas só de pensar!
PS: Minha avó também guardava chocolates no armário!

Anônimo disse...

Querida, se quem tem um ombro pra chamar de seu sente as pernas bambeando de quando em vez, imagino você com seus dois. Mas você vai pra frente, Tita, mesmo com medo, cansada, insegura, de saco cheio...E é esse o movimento que importa. Sair do lugar. Bjos, Ju

Deni disse...

Tita, querida,
Eu também não tenho para quem ligar... Mas, a gente pode combinar. Você pode me ligar sempre que precisar!
Minha avó Cotinha, que tocava piano muito bem, guardava ambrosia dentro do armário, em Cruz Alta.
Bjs

zeca disse...

titaaaaaaaaa!
tenho certeza que és capaz de comprar camisetas do Inter tão bem como o ronnie comprava calcinhas pra filha!!!
fico bexxxta em ler-te assim tão perto!
como a leticia falou: és admirável!
desde piá!
bjks!

alessandra disse...

avós são o máximo ;)