quarta-feira, 8 de outubro de 2008

os casamentos nossos

depois de um dia frio, chuvoso e com vento, chego em casa e encontro meu apartamento bem iluminado. a obra do metrô está a mil, os peões estão tirando caçambas lotadas de pedras do buraco do metrô. essas caçambas têm o conteúdo jogado dentro de um caminhão. na rua, outro caminhão, este com uma caixa d'água gigante, aguarda para manobrar canteiro de obras adentro. um sujeito solda qualquer coisa, e isso quer dizer que as luzes das faiscas iluminam minha sala mais ainda. ah, um guindaste é que iça as caçambas do buraco, e o barulho é chato. depois as pedras são jogadas, e me sinto num conto do irmãos grimm. não pode ser real, é um conto de fadas. já no outro canto da obra, o que dá para as janelas dos quartos, também tem uma luz medieval que ilumina meu quarto, o das crianças e o banheiro. parece que são 10h de um dia ensolarado, mas são 19h38 de uma quarta-feira fria e cinzenta.
mas o dia foi leve. eu acordei pensando nos casamentos que a gente faz. não só com pessoas - marido, filhos, empregada, namorado, familiares -, mas com insituições e manias. o que, na verdade, tem a ver com as escolhas que fazemos. assim, podemos ter só um marido, mas vários casamentos felizes. ou não. podemos ter diversos casamentos infelizes. e nem ter um marido.
estava eu a pensar na vida, hoje cedo, metida debaixo das cobertas mui deliciosas da minha cama, e fiquei com vontade de tomar banho e me mandar pro trabalho. era minha manhã de folga, crianças na casa do pai. mas ontem tinha ido cedo pra cama, e hoje acordei cedo e feliz. e fiz o que tava com vontade de fazer: banho, roupa, e ao trabalho!
cheguei cedo na corporação, e fui tomar café da manhã. sim, grandes corporações - e pequenas também - oferecem cafés da manhã para os esfomeados começarem o dia felizes, com a barriga cheia. pão branco, pão preto, pão francês, croissant, pão com chocolate. frios, iogurtes, suco, frutas, café, leite. uma fartura admirável. e eu, depois de encher minha bandeja, me sentei numa mesona vazia - refeitórios têm mesonas, nunca mesinhas - e comecei a ler o jornal. e pensei em como estava feliz com meu novo trabalho, e que este estava me parecendo um casamento bem feliz, sereno, leve.
mas daí pros outros casamentos...fiquei pensando neles também. em como é bom a gente mudar, tentar não repetir tudo todo dia. acordar um dia mais cedo, colocar uma roupa que nunca usa, ligar pra quem a gente nunca liga, não reclamar de nada um dia inteiro. olhar pro outro lado, ver as árvores floridas e maravilhosas numa cidade tão cinza, falar mais baixo, tomar mais vinho. tomar banho com sal grosso, chamar a empregada de querida - mas só se ela for mesmo -, não ficar brava porque a saia nova rasgou no primeiro uso. olhar diferente, mudar de idéia, trocar de amigos, dar risada do que acontece sempre.
e depois de passar o dia trabalhando muito, muito mesmo, e nuns intervalos pensar nos casamentos de fazemos, fiquei feliz de saber que tenho escolhido bem. tenho suportado bem o que é ruim e inevitável, e tenho buscado com dedicação o que é bom e a gente pode escolher.
que venham mais dias frios, chuvosos e com vento, para eu ficar assim inspirada, e conseguir ver tudo com olhos diferentes.
antes de terminar: os peões ou foram jantar ou foram dormir. o silêncio é absoluto, exceto pelo uhuhuhuhuhuh do vento, pelos toc toc toc da maria helena, que mora sobre o meu apartamento e sempre anda com sapatos pelo seu, e pela tosse seca do meu filho.
deus esteja.

2 comentários:

HedynaAlemanha disse...

Tita, dei uma lida para me atualizar do que anda acontecendo aí na Paulicéia Desvairada... Saudades, Dinda.

Idiossincrasias disse...

"A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos, cada um com seu signo e sentimento, uns com os outros acho que nem não misturam. Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo as coisas de rasa importância. De cada vivimento que eu real tive, de alegria forte ou pesar, cada vez daquela hoje vejo que eu era como se fosse diferente pessoa. Sucedido, desgovernado. Assim eu acho, assim é que eu conto. O senhor é bondoso de me ouvir. Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras, de recente data. O senhor mesmo saber." JGR em Grande Sertão, Veredas.