sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

a vó maria

ela não era minha avó. tinha sido casada com um irmão da minha avó, que eu não conheci. ou seja, era tia da minha mãe. mas acho que como era velhinha, quem não a chamava de tia maria a chamava de vó maria. e este era o meu caso.
quando eu tinha 5 anos, meus pais pela primeira vez tiraram férias sem filhos. e pra nossa casa se mudou a vó maria, acompanhada da alzira, que me diziam que era afilhada dela. acho que era uma filha adotiva, já que não tinha nem pai nem mãe e sempre morou com a vó maria. e cuidou dela até o fim.
meus pais foram passar um mês na europa, e eu e meus irmãos - a lu com 3 e o paulo com 7 anos - fomos tratados como pequenos reis. o que eu me lembro desses doces dias são duas coisas: de deitar a minha cabeça no colo da vó maria, e entre as coxas dela e a minha cabeça colocar uma almofada xadrez, e adormecer com cafuné na cabeça, feito por aqueles dedinhos que deviam ser bem pequeninhos, porque a vó maria era baixinha. e dos mingaus de aveia que alguém preparava pra gente, e que comíamos com açúcar e canela polvilhadas por cima.
não lembro de ter sentido saudades dos meus pais. só me lembro que os dias eram muito, mas muito doces.
eu estava sentada na cozinha enquanto os meus filhos jantavam. a lívia ganhava o garfo com o macarrão já enrolado pela nalva, e o levava à boca, como se fosse uma princesinha e a nalva, sua dama de companhia. e então me lembrei da vó maria e lágrimas molharam os meus olhos.
quando tinha festa na casa da vó maria, a sala da casa dela ficava lotada de adultos, que falavam alto e comiam salgadinhos maravilhosos. e gargalhavam. eu adorava comer uma coxinha que tinha um penne na ponta, que era o 'apoio' pra gente poder comê-la. e devia ter refrigerante e bolo. mas eram parentes distantes, que eu raramente encontrava. as crianças ficavam na frente da casa, acho que na calçada, brincando de qualquer coisa. porque crianças sempre sabem brincar de qualquer coisa.
a vó maria sempre usava os cabelos cinzas dela presos num coque junto à nuca. eu acho que ela era pobre, porque a casa dela me parecia muito pequena e nunca tinha uma empregada - e ainda por cima era bem longe de onde eu morava. e daquela família eu sempre ouvia histórias. as histórias das 'outras famílias' sempre são fantásticas para os ouvidos das crianças. tinha a mulher que abandonou o marido com os filhos, daí tinha a nova mulher dele, que cuidou dos filhos que não eram dela. tinha o marido de uma prima da minha mãe que era casada com um jogador de futebol, e isso era sensacional. tinha o marido da outra prima que uma vez queimou o rosto ao acender uma lareira com álcool e, para fazer a plástica, os médicos tinham usado a pele da bunda dele! depois eles se separaram, e os comentários a respeito dela não eram muito lisonjeiros. talvez porque ela fosse uma mulher bonita e tenha se casado de novo, o que em algumas famílias não é bom. nem ser bonita, nem ser feliz.
a lembrança dessa mulher pequeninha, que eu nem sei quando morreu - talvez eu já morasse em são paulo, e quando moramos longe da família, sabemos menos sobre quem casou, quem pariu, quem se separou, quem adoeceu -, me faz pensar em como a gente nunca está feliz. porque eu acho que a vó maria era feliz. e ponto.
e eu, diferentemente, me escabelo para enxergar a doçura do dia a dia. fico com falta de ar porque a vida sempre me parece insuficiente. mas quando vou beijar meus filhos na cama, e sinto o doce cheiro de filhos-em-casa-dormindo-fortes-e-felizes, lembro que é preciso de pouco, muito pouco, pra ter alegria.
ir comer uma picanha uruguaia assada na lenha na casa dos amigos, andar de bicicleta no parque sob o sol escaldante da cidade cinza, dar risada com a minha comadre porque daqui a oito meses vai nascer o primeiro filho dela, ligar para dar oi para os meus pais e saber das trocentas consultas médicas deles, ver meu irmão pela imagem cheia de falhas das câmeras dos nossos computadores, nada disso eu posso pagar com o meu cartão visa. graças a deus.

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