quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

todo dia ela faz tudo sempre igual

a rotina é uma parte importante da vida. só fazendo as coisas com um mínino de ritmo (ou será repetição?), é que os olhos conseguem olhar pra dentro, e não só pra fora.
ela é uma pessoa quase monótona. vai trabalhar, volta pra casa, fuma um cigarro, pensa na vida.
as roupas são compradas numa só loja, porque dá menos trabalho e menos chances de arrependimento. com o cabeleireiro ela tem uma relação mais fiel do que a maioria dos casamentos. acho que até quando sai do banho ela deve se secar do mesmo jeito.
os cremes usados são os mesmos todos os dias. o jeito de dizer bom dia parece também ser igual - mas não deve ser, porque aí seria demais.
receita de bolo, quando faz sucesso, é repetida. e receita de comida idem ibidem. as férias foram as mesmas durante uns anos, quatro talvez, numa conjunção de falta de dinheiro, filhos muito pequenos e solteirice.
perfume acaba sendo o mesmo quando surge um que agrada. mas os amigos não são sempre os mesmos. os chatos são descartados, mas os bons permanecem na lista de amigos por longos anos.
as idéias também não são sempre as mesmas, mas às vezes elas - as idéias - demoram pra ser trocadas. mas quando são, viram o ponto de partida e ponto.
ela gosta - acho que desde que nasceu - de dormir cedo e acordar cedo também. quando bate o olho em qualquer coisa, já tem opinião formada. principalmente quando a coisa for ruim. gente sem graça, roupa feia, trabalho chato, comida ruim, .
mas ela acha que só repetindo as coisas é que sobra espaço pra poder olhar pra dentro. e mudar do lado de dentro. e essas mudanças são bem mais demoradas do que as quatro horas sentada no cabeleireiro pra mudar a cor do cabelo ou o financiamento de cinco anos do carro novo.
agora ela diz que sente tonturas, sem contar a barriga, que tá estranha doída embolada. as sensações que vêm de dentro também costumam ser mais difíceis de ser percebidas do que as que vêm de fora. se o esmalte descasca, é só ligar pra manicure. mas se quando fechamos os olhos temos a sensação de que o chão some, ah, isso demora mais pra ser sentido e, pior, digerido.
e como tudo dói, diz ela. viver um dia atrás do outro, sentir um dia atrás do outro, respirar o tempo todo. mas assim, repetindo as coisas, tudo vai mudando. a coragem vai aumentando, a força das pernas também, a cor dos olhos fica mais nítida, e as noites de sono são muito, muito bem dormidas. as dela, é claro.

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